segunda-feira, 6 de abril de 2009

Reimaginando o Socialismo

Conforme prometido, cá está a tradução do texto de abertura da série "Reimagining Socialism", publicada por "The Nation".

Reimaginando o Socialismo

por Barbara Ehrenreich e Bill Fletcher Jr.

Se não se tem ouvido socialistas a comemorar a derrocada do capitalismo
o motivo não é que não sejamos em número suficiente para nos fazer
ouvir. Nós, assim como qualquer um em Wall Street em, por exemplo, 2006,
reconhecemos a flexibilidade do capitalismo americano - sua habilidade
para reagrupar e encontrar novas avenidas para crescer, como aconteceu
depois das crises de 1877, 1893 e dos anos 1930. De fato, o Manifesto
Comunista pode ser lido não só como uma acusação ao capitalismo, mas
também como uma ode ao seu dinamismo. Todos conhecemos a piada sobre o
economista Marxista que previu com sucesso onze das últimas três
recessões.

Desta vez, entretanto, o paciente pode não se levantar da mesa, não
importando quantas vezes os choques reanimadores dos "pacotes de estímulo"
sejam aplicados. Aparentemente entramos naquela espiral da morte na qual
o aumento do desemprego leva a redução de consumo que, por sua vez, faz
aumentar ainda mais o desemprego. Qualquer satisfação sádica que sejamos
tentados a sentir quando executivos perdem seus aviões corporativos e os
antigos Mestres do Universo limpam os ovos dos seus rostos é rapidamente
apagada para o sofrimento cada vez mais nítido à nossa volta.
Programas de distribuição de comida e abrigos não conseguem satisfazer a demanda;
milhões de pessoas encaram a possibilidade de uma velhice sem pensões e
com suas economias dilapidadas; nós mesmos somos consumidos pela
ansiedade sobre o futuro que espera nossos filhos e netos.

Além disso, não era assim que deveria acontecer. Devia acontecer uma
revolução, lembra? A idéia, previsão, fé, socialista era de que o
capitalismo cairia quando as pessoas se cansassem de tentar viver das
migalhas que caem dos queixos dos ricos e se levantassem de alguma
maneira - de preferência inclusiva, democrática e não violenta - e se
apropriassem da riqueza elas mesmas. Essa apropriação não deveria ter
nenhuma semelhança com a "nacionalização" que vem sendo discutida, na
qual a riqueza pública flui para o setor privado com pouca ou nenhuma
mudança nas elites que a controlam ou na maneira como esse
controle é exercido. Nossa expecativa, como socialistas, era que o
imenso grau de organização necessária para a mudança revolucionária
criaria uma infraestrutura para governança, construída a partir de,
entre outras peças de quebra-cabeça, sindicatos, organizações
comunitárias, grupos reivindicatórios e novas organizações de
desempregados e novos-pobres.

Também deveria ser simples para as massas tomar para si a infraestrutura
física do capitalismo industrial - os "meios de produção" - e começar a
fazê-los trabalhar para o bem comum. Entretanto, a maior parte dos meios
de produção se deslocou para fora do país - para a China, por exemplo,
aquele bastião do capitalismo autoritário. Quando olhamos em volta para
a nossa paisagem depredada e observaos as ruínas do capitalimo
financeiro, vemos bancos e mais bancos, imobiliárias e agências de
financiamento, corretoras de títulos, companhias de seguros, agências de
avaliação de crédito e centros de telemarketing. Não vemos empresas
fazendo algo que nos possa ser útil, como comida ou remédios. Nos
últimos anos o capitalismo tem se tornado cada vez mais abstrato, de uma
forma quase mística. Fora dos setores manufatureiro e de serviços, cada
vez menos pessoas são capazes de explicar para seus filhos a natureza
dos seus trabalhos. Os estudantes mais brilhantes vinham sendo atraídos
para finanças, e não para física. As maiores construções urbanas
abrigavam cubículos e telas de computadores, não linhas de montagem,
laboratórios, estúdios ou salas de aula. Até mesmo com a nau-capitã da nossa
economia, a indústria automotiva, seria necessário uma modificação
radical de funcionamento para produzir coisas úteis - não mais carros,
muito menos minivans e camionetes enormes, mas mais moinhos de vento, ônibus e trens.

O mais exasperador, de uma perspectiva socialista, é a idéia assustadora
de que o capitalismo nos está deixando com menos do que encontrou nesse
planeta uns 400 anos atrás, quando o modo de produção capitalista
começou a tomar forma. Marx imaginava que o capitalismo industrial havia
resolvido potencialmente o antigo problema da escassez e que havia o
suficiente para todo mundo, desde que fosse distribuído de maneira
justa. Mas o capitalismo industrial - com alguma ajuda do "comunismo"
industrial, trouxe um nível de destruição ambiental que ameaça nossa
espécie, junto com incontáveis outras. O clima está aquecendo, o
suprimento de óleo está começando a diminuir, os desertos estão
avançando e os mares estão subindo e têm menos peixes para nos
alimentar. Você não tem que ser um alarmista desajustado para perceber
que a extinção é possivelmente o próximo ítem em pauta.

Nesta situação, com a sobrevivência biológica a longo prazo e a
econômica a curto prazo seriamente ameaçadas, a única pergunta relevante
é: gente, nós temos um plano? Conseguimos vislumbrar uma saída dessa
situação para um futuro justo, democrático, sustentável (acrescente aqui
seu adjetivo favorito)?

Vamos colocar as cartas na mesa: nós não temos. Pelo menos não temos um
projeto de como organizar a sociedade pronto para tirar do bolso. Embora
isso possa soar negligente da nossa parte, devemos lembrar que o
socialismo era uma idéia para reorganizar propriedade e distribuição e,
até certo ponto, governança. Supunha-se que haveria muito para possuir e
distribuir; não se imaginava que teriamos que inventar um modo de vida
totalmente novo e ambientalmente sustentável. Além disso, a história do
socialismo foi desfigurada por muitos quadros que tinham um plano
perfeito, bastava que ganhassem o próximo debate, levassem a cabo um
golpe ou conseguissem seguidores em número suficiente.

Mas nós entendemos - e isso é uma das coisas que faz de nos
"socialistas" - que a ausência de um plano, ou pelo menos algum tipo de
processo deliberativo para decidir o que fazer, não é mais uma opção. A
grande promessa do capitalismo, como primeiro sugerido por Adam Smith e
recentemente idolatrada no "fundamentalismo de mercado" era que nós não
precisaríamos decidir nada, porque o mercado tomaria conta de tudo para
nós. Ao invés de promover autonomia, esta versão da livre iniciativa
induzia a passividade face à divindade inescrutável, o Mercado.
Desregulemos, deixemos que os salários caiam aos seus níveis "naturais",
transformemos o que resta dos governos numa fonte inesgotável de
pilhagem para as empreiteras - viva! Bem, isso não funcionou, e a idéia
central do socialismo persiste: que as pessoas se unam e descubram uma
maneira de resolver seus problemas, ou pelo menos uma grande parte dos
seus problemas, coletivamente. Que nós - não o mercado ou os
capitalistas ou algum grupo de elite de ultra-planejadores - temos o
controle dos nossos próprios destinos.

Nós admitimos: não temos sequer um plano para o processo deliberativo
que sabemos ser necessário para substituir a loucura anárquica do
capitalismo. Sim, temos algumas noções de como deve funcionar, baseadas
nas nossas experiências com o movimento de direitos civis, o movimento
de mulheres e o movimento trabalhista, bem como as experiências de
inúmeros empreendimentos cooperativos. O foco dessa noção é o que ainda
chamamos de "democracia participativa", na qual todas as vozes são
ouvidas e todas as pessoas igualmente respeitadas. Mas não temos nenhum
modelo preciso para democracia participativa na escala em que atualmente
isso é necessário, envolvendo centenas de milhões (potencialmente
bilhões) de participantes simultaneamente.

Que aparência isso deve ter? Existem alguns modelos interessantes que
merecem atenção, como a famosa experiência do Orçamento PArticipativo
desenvolvida pelo Partido dos Trabalhadores em Porto Alegre. Um dos
fundadores da Z Magazine, Michael Albert, desenvolveu uma abordagem
detalhada para o planejamento de massa que ele batizou de economia
participatória ou "parecon". Um dos autores do presente texto(Fletcher,
em seu livro Solidarity Divided, escrito com Fernando Daspasin) propôs
uma rede de assembléias populares locais. Isso tudo é, entretanto,
especulativo, e nós reconhecemos que qualquer sistema democrático de
planejamento de massa vai ser confuso. Vai tropeçar; vai errar algumas
vezes; e vão haver muitas ocasiões em que será necessário voltar à
prancheta para pensar de novo.

Como socialistas, entretanto, sabemos que esse grande projeto de
salvação coletiva tem que ser implementado dentro de um espírito da solidariedade.
Considerada uma idéia antiquada até bem recentemente, a solidariedade
ressurgiu das cinzas no simbolismo e na energia da campanha presidencial
de Obama. O slogan "Sim, Podemos!" era usado pelo movimento dos
Trabalhadores Agrícolas Unidos, e foi adotado por vários sindicatos e
organizações de base comunitária para enfatizar que um grande número de
pessoas unidas podemos conseguir muito através de ações coletivas. Até
mesmo as evocações relativamente paleativas de Obama sugerindo um novo
comprometimento, voluntarismo e serviço comunitário parecem ter
inspirado um espírito de "retribuição". Se a idéia de planejamento
democrático, de controlar nosso próprio destino, é o conteúdo
intelectual do socialismo, a solidariedade é a fonte de energia
emocional - a compreensão moral e a convicção cauterizante de que, por
mais monstruosos que sejam os desafios, nós estamos nisso juntos.

Solidariedade, entretanto, é um sentimento vazio se não houver
organização - maneiras de pensar e trabalhar juntos, e de conectar os
movimentos sociais que lutam contra a injustiça todos os dias. Nós vemos
uma oportunidade tremenda no fato sombrio de que milhões de americanos
ficaram sem trabalho devido à economia capitalista e estão livres para
dedicar seus talentos consideráveis à tarefa de criar uma alternativa
justa e sustentável. Mas se estamos considerando seriamente a hipótese
de sobrevivência coletiva face às nossas múltiplas crises, temos que
criar organizações, inclusive algumas explicitamente socialistas, que
possam mobilizar esses talentos, desenvolver lideranças e fortalecer
lutas locais. E temos que ser sérios, porque as elites capitalistas que
têm controlado tudo até agora perderam toda a confiança e respeito, e
nós - progressistas de todos os matizes - somos os únicos adultos por
perto.

sexta-feira, 3 de abril de 2009

Início

Resolvemos criar (mais) um espaço para divulgar e discutir idéias socialistas. A esperança é que isso ajude a gerar algum debate e estimule alguma organização. Para começar, indico o texto de abertura da série "Reimagining Socialism" publicada pela revista estadunidense "The Nation", de autoria de Barbara Ehrenreich e Bill Fletcher Jr.,

http://www.thenation.com/doc/20090323/ehrenreich_fletcher

O original é em inglês, mas estamos a providenciar uma tradução improvisada, espero postá-la em breve aqui.

Embora o foco da série seja a situação econômica dos Estados Unidos, há vários pontos de interesse para socialistas em todo lugar, e algumas das análises se aplicam em geral. Eu achei o texto muito lúcido e estimulante.

Acabei de ver que o pessoal do Núcleo Piratininga de Comunicação traduziu um dos artigos da série mencionada acima, sobre o exemplo do MST.